A perversidade de uma Reforma: Breve análise de um licenciando sobre as mudanças no Ensino Médio
Há discussões em que escolho me abster. Não por falta de vontade de me posicionar, mas por me sentir, às vezes, como uma voz ecoando no limbo. Mas há circunstâncias em que me forço a romper essa inércia. Circunstâncias em que os donos do poder, além de me atingirem por investirem contra os interesses sociais, me atingem diretamente; atacando meus objetivos e sonhos pessoais. Falo da Reforma do Ensino Médio recentemente aprovada pelo Senado Federal.
Curso licenciatura em História e pretendo atuar como professor na rede pública de educação. Meu interesse, sobretudo, é de lecionar para aqueles que sofrem na pele as consequências de um sistema injusto. É de entrar numa sala de aula com o fulaninho preto e pobre, que foi para a escola mais pelo interesse de comer merenda e que vê a mãe solteira ralando pra dar a ele um caderno pra estudar, e poder contribuir, de alguma forma, para a formação dele como cidadão. No entanto, com essa reforma, talvez esse meu desejo tenha ficado um pouco mais distante...
O por quê? Bom, talvez no comercial da Globo eles não falem que essa tal "liberdade de escolha de curso" é pura falácia. Posta em prática essa Reforma do Ensino Médio, a escola só será obrigada a ofertar um dos cinco itinerários formativos previstos. Levando em conta a necessidade de formação de mão-de-obra barata, já podemos presumir que o itinerário com maior oferta/demanda nas escolas voltadas para as classes populares será o de Formação técnica e profissional; o que provavelmente cairá como uma luva para boa parte dos jovens sem perspectivas profissionais, que possui a necessidade de logo se lançar no mercado de trabalho.
É aqui que reside a perversidade e o retrocesso que tal reforma representa: o agravamento da polarização entre o trabalho realizado pelas instituições de ensino. Isto porque, de um lado, escolas públicas voltadas para os mais pobres ofertarão majoritariamente o itinerário de formação técnica e, de outro, escolas privadas, mais elitizadas, oferecerão os demais itinerários. Com isso, o acesso aos cursos pré-vestibulares e ao ensino superior volta a ser um privilégio somente das elites. Isso sem mencionar outros problemas: e se o itinerário desejado pelo estudante não for ofertado por nenhuma escola próxima a ele? Os estados terão condições de dar o suporte estrutural e financeiro suficiente para as escolas se adequarem à essa reforma? Com a educação em tempo integral também prevista, terão de se fazer investimentos em inúmeras novas escolas e no quadro de profissionais. Difícil imaginar um ambiente favorável à tais mudanças num estado como o Rio de Janeiro, por exemplo, que passa por uma grave crise de recursos. Sem mencionar a limitação nos gastos com a educação e outras áreas, imposta pelo atual governo através da PEC 55.
Uma outra medida que veio ainda confirmar e reforçar a precarização da educação contida nessa reforma foi a definição de que profissionais graduados sem licenciatura poderão fazer uma breve "complementação pedagógica" para poderem ministrar aulas. Como Darcy Ribeiro já preconizava: "A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto". Um projeto que visa a submissão da educação à lógica neoliberal como mero objeto mercadológico.
Nesse panorama, não consigo mais enxergar a garantia de uma estabilidade profissional para aqueles, que como eu, tiveram suas disciplinas excluídas da formação obrigatória no espaço escolar. Sobretudo para aqueles que atuam ou almejam atuar em escolas públicas com tais disciplinas. Tal ponto nos leva ao debate sobre outra face perversa dessa reforma: A exclusão de disciplinas essenciais. Matérias como Geografia, História, Química, Biologia e Física, de suma importância para a formação cognitiva e científica do aluno, não são mais obrigatórias nos três anos de ensino médio. Falando a respeito da História, área em que tenho maior propriedade para discorrer, seu ensino incentiva o aluno a ter um olhar mais crítico para a realidade a sua volta; entendendo que determinada situação ou panorama é fruto de experiências passadas, levando-o assim, a situar-se melhor em seu contexto socioeconômico. Além disso, o exemplo dos nossos antepassados serve para evitarmos erros já cometidos, ou ainda para nos espelharmos em atos que geraram frutos positivos.
Cada conhecimento contribui de sua forma para aumentar o leque de óticas disponíveis ao aluno que queira se debruçar sobre um determinado objeto ou fenômeno. Sua visão de mundo é ampliada. A eliminação de disciplinas que fomentam no aluno uma maior sensibilidade para as questões sociais, se mostra ainda mais problemática quando observamos o quadro de uma sociedade como a nossa; estruturalmente patriarcal, racista e homofóbica. Dessa forma, haveria um interesse maior por trás da exclusão das disciplinas supracitadas? A formação de uma massa alienada, munida de pouca criticidade social e de um conhecimento raso sobre as diversas ciências, vêm favorecer, principalmente, aqueles que estão no poder e disferem ataques diariamente contra os interesses do povo com suas medidas de austeridade.
O panorama é caótico. Mas o conhecimento histórico nos ajuda a relembrar outras situações similares já vividas onde encontrou-se uma saída. Essa saída se deu e sempre se dará através da luta. Luta constante contra as raposas que se perpetuam no poder, com sua propriedade privada e monopólio da ação do Estado. Deixemos para descansar somente no dia em que a “cabeça” do último golpista e inimigo do povo rolar. Como dito certa vez por um revolucionário: “Ela virá, a revolução conquistará a todos o direito não somente ao pão mas, também, à poesia”. Parafraseando Leon Trotsky, me atrevo a afirmar que ela conquistará para todos o direito não somente ao pão, mas também, à educação.
Por: Douglas da Silva Araújo - Licenciando em História - UFF e Integrante do grupo PET Conexões de Saberes/UFF.