top of page

ENTENDENDO O MOVIMENTO “ESCOLA SEM PARTIDO”


A neutralidade ou a imparcialidade de concepções ideológicas é algo utópico, pois inserido na sociedade o ser humano e as instituições por ele criadas trazem consigo ideais que precisam ser cuidadosamente analisados. Sabendo disso, devemos perceber que o sistema educacional também não é e nem será imparcial, pois as propostas de lei que atualmente defendem a neutralidade escondem por trás um projeto ideológico bem definido embora nem sempre explicitado, como é o caso do movimento "Escola sem Partido".


Criado pelo Procurador do Estado de São Paulo, e não educador, Miguel Nagib no ano de 2004, o "Escola sem Partido" traz consigo um conjunto de ideias que tem sido propagadas tanto por seu criador, aliados e têm influenciado políticos de várias regiões do Brasil que passaram a defender a adoção de práticas de caráter arbitrário, em relação ao professor e ao sistema de ensino. Projetos e leis federais, estaduais e municipais têm sido produzidos, inspirados pelo “Escola sem Partido”, dentre os quais citamos: a PL 7180/2014 do Deputado Erivelton Santana do PSC/BA, que pretende alterar a LDB 9394/96, no sentido de contemplar aspectos desse movimento. O Projeto de Lei 2974/2014 do Estado do RJ, protocolado pelo deputado Flávio Bolsonaro do PSC/RJ, segue nesta linha e atualmente encontra-se em tramitação. No âmbito municipal, o vereador do PSC/RJ Carlos Bolsonaro apresentou o Projeto de Lei 867/2014, com as mesmas características do projeto apresentado em âmbito estadual (RJ). O Projeto de Lei 867/2015 do Deputado Izalci Lucas, do PSDB/DF, conhecido como “Escola sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, determina como o professor deve se portar em sala de aula em nome da “neutralidade ideológica” no ensino. O Projeto de Lei 655/2015 do Deputado Estadual Aldo Demarchi do DEM/SP, que está em tramitação ordinária, proíbe a prática do proselitismo político no Sistema Educacional do Estado de São Paulo. A PLS 193/2016 do Senador Magno Malta do PR/ES inclui entre as diretrizes e bases da educação o “Programa Escola sem Partido”.


O Projeto de Lei 26/2016 dos vereadores Luiz Eustáquio Rede/PE e Carlos Gueiros PSB/PE, que está em andamento na Câmara Municipal de Recife/PE, pretende proibir qualquer tipo de discussão sobre gênero e orientação sexual nos livros didáticos do município. Também encontramos Projetos de Lei Ordinária e Projetos de Emenda à Lei Orgânica em âmbito estadual e municipal que estão em processo de tramitação.


Esses Projetos de Lei estão impregnados por uma ideologia afinada com setores religiosos e conservadores, o que demonstra que não podemos considerá-los apartidários ou desprovidos de caráter político, como seus defensores desejam nos fazer acreditar. Com esse viés vão totalmente contra a Constituição Federal de 1988, uma vez que o artigo 205 prevê que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa [...]”. Ao consultar este documento, verificamos, ainda, que o artigo 206, prevê a “[...] liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber [...]”, juntamente com o “[...] pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.


Destrinchando as ferramentas utilizadas para difundir as ideias propagadas pelos autores e simpatizantes do referido movimento, chegamos ao site oficial do “Escola sem Partido”, no qual verificamos que algumas falácias proferidas por lá, de fato, têm influenciado os projetos e as leis já mencionadas. Dentre elas, destacamos a própria argumentação utilizada por seus representantes que expõem opiniões relativas à educação brasileira, sem que para isso, citem ao menos alguma referência empírica, que justifique suas afirmações, conforme verificamos no excerto abaixo:


No Brasil, entretanto, a despeito da mais ampla liberdade, boa parte das escolas, tanto públicas, como particulares, lamentavelmente já não cumpre esse papel. Vítimas do assédio de grupos e correntes políticas e ideológicas com pretensões claramente hegemônicas, essas escolas se transformaram em meras caixas de ressonância das doutrinas e das agendas desses grupos e dessas correntes. A imensa maioria dos educadores e das autoridades, quando não promove ou apoia a doutrinação, ignora culposamente o problema ou se recusa a admiti-lo, por cumplicidade, conveniência ou covardia.


Sempre utilizando de generalizações e sem dados científicos, o site vai proferindo falácias, e isso é perceptível em todas as suas abas. Também observamos que na aba “quem somos” o movimento se define e novamente comete generalizações sem dados confiáveis sobre a educação nacional. Assim, segundo a definição do próprio grupo que o lidera, o escolasempartido.org é:


[...] uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior. A pretexto de transmitir aos alunos uma ‘visão crítica’ da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo. Como membros da comunidade escolar – pais, alunos, educadores, contribuintes e consumidores de serviços educacionais –, não podemos aceitar esta situação.


É perceptível que o movimento não define a questão da “contaminação político-ideológica”, tampouco apresenta bases científicas para definir e demonstrar o citado “exército organizado de militantes”. Em outra aba, denominada “Síndrome de Estocolmo” o site expressa uma compreensão equivocada a respeito da complexidade do ser humano, ao atribuir incapacidade de discernimento por parte dos alunos e das alunas, entendendo-os como agentes indefesos e tábulas rasas, tirando toda a bagagem crítica e argumentativa da qual são dotados. Assim, segundo o site


A vítima de um verdadeiro ‘sequestro intelectual’, o estudante doutrinado quase sempre desenvolve, em relação ao professor/doutrinador, uma intensa ligação afetiva. Como já se disse a propósito da Síndrome de Estocolmo, dependendo do grau de sua identificação com o sequestrador, a vítima pode negar que o sequestrador esteja errado...


O site apresenta inúmeras abas problemáticas, sobre temas como livro didático, movimento estudantil, biblioteca politicamente incorreta (segundo eles, há somente três livros recomendados) etc. Desse modo, analisando seu teor percebemos que para seus organizadores, a única ideologia presente nas escolas brasileiras envolve um caráter político alinhado com a esquerda, mais precisamente o marxismo.


Ao demonstrar essa construção de ideias e atacar fortemente os professores, o “Escola sem Partido” se mostra dotado de ideologia, irresponsável e desconhecedor do campo educacional, uma vez que negligencia a produção científica da área e as recomendações do próprio Ministério da Educação, a respeito do desenvolvimento humano, do papel do professor e das relações que envolvem o ensino e a aprendizagem. Entendem os jovens e as crianças como sujeitos passivos, incapazes de estabelecer relações com suas experiências atuais e/ou anteriores e, nesse enfoque, incapazes de formar opinião. Em nosso ponto de vista, esses são elementos que evidenciam as fragilidades e as distorções epistemológicas deste movimento, o que demonstra sérias contradições e incompreensões por parte de seus criadores.


Diante dessas inegáveis insuficiências, recorrem ao ataque a uma suposta doutrinação de esquerda que supostamente ocorreria nas instituições de ensino e, por esta razão, defendem forte controle sobre a conduta dos docentes no espaço escolar e enfatizam a necessidade de fazer sérios cortes aos conteúdos ministrados pelos professores.


Acompanhando os Projetos de Lei e as páginas oficiais do “Escola sem Partido” verificamos que seu modo de pensar a educação vai totalmente contra o livre debate plural de ideias, visando limitar a liberdade de expressão dos docentes de todos os segmentos. Calcados por esta forma distorcida de compreensão, atribuem aos professores a simples tarefa de transmitir conteúdos específicos, tal como uma máquina que reproduz ideias produzidas por outros, sem qualquer análise crítica. Essa proposta retira o caráter humanitário da educação, assim como pretende inviabilizar qualquer possibilidade de instigar reflexões críticas sobre a sociedade. Retirando o caráter humanitário da educação, criamos espaço para a construção de relações mercadológicas mais intensas, transformando-a em um comércio altamente rentável, gerenciado por uma pequena elite. Ressaltamos, que professores não são doutrinadores; alunos(as) não são uma massa homogênea que compõe uma audiência cativa ou uma folha em branco destinada a receber informações, como querem que acreditemos.


Reconhecemos que o nome utilizado pelo movimento é extremamente atrativo e inteligente, por suscitar a ideia de que estão defendendo uma escola que não tome para si a articulação com um ou outro partido político, o que seria legítimo. Entretanto, a intenção é gerar incompreensões e, neste sentido é enganador, pois não possuímos escolas com bandeiras partidárias e, afirmar uma falácia dessas contribui para a implementação de projetos conservadores e ideológicos de um modelo de educação anti-plural, além de incentivar a adoção de políticas mercantilistas voltadas para a educação brasileira. Desse modo temos que ter a noção de que o “Escola sem Partido” é partidário e ideológico , uma vez que ataca diretamente a ideologia de esquerda, faz associações diretas com políticos filiados a partidos conservadores e age na propagação dos seus interesses. Propostas vindas desse grupo defendem uma educação neoliberal marcada pelos laços mercadológicos, por considerarem que os estudantes são “consumidores de serviços educacionais”, e, desse modo, a educação é uma mercadoria que deve seguir esta lógica. É importante manter nossa atenção a esse respeito evitando que ideais conservadores e privatistas comandem a educação nacional, o que exige de nós posicionamento contrário a este contrassenso e a manutenção da luta por uma educação libertária, gratuita, democrática e dialógica, construída com a participação de todos e para todos.


Por: Vinicius Andrade de Carvalho - Licenciando em Letras - UFF e integrante do grupo PET/Conexões de Saberes-UFF e Davi Ferreira Nogueira - Licenciando em História - UFF e integrante do grupo PET/Conexões de Saberes - UFF

Ver:http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1115.nsf/e4bb858a5b3d42e383256cee006ab66a/45741a7e2ccdc50a83257c980062a2c2?OpenDocument. Acesso em: 7 de outubro de 2016.

Ver:http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1316.nsf/f6d54a9bf09ac233032579de006bfef6/5573ae961660b4cd83257ceb006bc7d4?OpenDocument. Acesso em: 7 de outubro de 2016.


Ver:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668. Acesso em: 7 de outubro de 2016.


Ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso: em 7 de outubro de 2016.


Ver: http://www.escolasempartido.org/apresentacao. Acesso em: 7 de outubro de 2016.


Ver: http://www.escolasempartido.org/quem-somos. Acesso em: 7 de outubro de 2016.


Ver: http://www.escolasempartido.org/sindrome-de-estocolmo. Acesso em: 7 de outubro de 2016.

Posts Em Destaque
Posts Recentes
Posts anteriores
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page