Professorando – Experiências em um início de docência
A experiência inicial de um educador é campo de diversas pesquisas da área da Educação, pesquisas estas que geralmente visam explicitar as dificuldades enfrentadas pelos recém-formados quando se integram à sala de aula, os modos como constroem suas estratégias de ensino e as referências que utilizam para tal. Há muito se tem verificado que a formação do educador não tem sido suficiente para prepará-lo para um ambiente tão difuso e diverso quanto a sala de aula, o que pode levar a um total estranhamento do indivíduo para com o campo profissional escolhido, levando-o, por vezes, a repensar seus objetivos profissionais (VASCONCELLOS, 2009).
Como integrante do Grupo PET Conexões de Saberes – UFF, tive a oportunidade de pesquisar sobre o assunto, bem como de experienciar o exercício da docência, mas de forma diversa ao modo corrente, visto que foram trabalhos coletivos, onde vários “petianos” se dividiam na tarefa de levar a cabo a prática educativa em questão. Dessa forma realizamos projetos com o objetivo de construir, aplicar e analisar metodologias diferenciadas para o ensino, com o foco no 6º ano do Ensino Fundamental. Essa experiência foi e tem sido muito enriquecedora para meu crescimento em direção à carreira docente, de forma que me proveu certa bagagem para o início do meu exercício profissional.
E munido dessas experiências, recentemente ingressei na carreira do magistério. Atualmente faço parte do corpo docente de uma escola privada no município de São Gonçalo, onde leciono para turmas do 7º e 8º anos. Como esta experiência tem sido rica e desafiadora decidi relatar este percurso. Neste sentido, o objetivo desse texto é compartilhar experiências que tenho vivido nesse primeiro estágio da trajetória profissional, discorrendo sobre algumas surpresas e dificuldades de se encarar uma sala de aula em “voo solo”.
Avaliação e responsabilização (a experiência do Conselho de Classe)
O ponto de partida da minha carreira docente antes de se concretizar em uma sala de aula, se deu em um conselho de Classe. Por experiências anteriores (Projeto desenvolvido pelo grupo PET no Colégio Estadual Joaquim Távora, 2015), passei a enxergar o conselho de classe como um espaço de avaliação, no qual os professores expressam suas queixas, frustrações, elogios e (a falta de) esperanças em relação às turmas nas quais lecionam. Entendo que o ideal é que esse momento seja um espaço de trocas, no qual possam traçar estratégias em relação ao aprendizado dos alunos, visando o sucesso escolar dos mesmos. Entretanto, o que pude observar em meu primeiro conselho de classe como professor foi algo bem diferente disso.
O momento no qual pude estar presente foi marcado por recorrentes reclamações em relação às turmas, principalmente em relação aos 7º e 8º anos. Os principais motivos das queixas dos professores foram a excessiva dispersão dos alunos e a grande falta de interesse dos mesmos em relação à disciplina, fosse qual fosse. O que me chamou atenção foi a unanimidade com a qual essa ideia apareceu naquela reunião de professores. Ao discutir os resultados das avaliações, a todo momento as turmas eram chamadas de desinteressadas, o que, para os professores presentes, refletiu diretamente sobre as notas dos alunos. Em momento algum, por exemplo, levantaram as dificuldades que as turmas poderiam estar apresentando em questões específicas para o aprendizado, como por exemplo, a capacidade de interpretar e expressar uma opinião sobre um texto ou por razões que dizem respeito à escola, ao professor, ao ensino, entre outras.
O que pude observar foi que a ideia de que o fracasso escolar dos alunos está intrinsecamente ligado ao comportamento deles ante a disciplina escolar, ou até mesmo ante ao professor, parece estar enraizada na mentalidade de alguns professores (e talvez a maioria deles). Segundo Jussara Hoffmann em seu livro Avaliação Mediadora (2009), a visão dos professores em relação ao fracasso escolar dos alunos é geralmente associada ao fato de que não há da parte deles uma “maior atenção aos estudos para alcançar melhor desempenho” (HOFFMANN, 2009, p. 45). Assim, para a autora, fica evidenciada uma relação na qual os professores apresentam “[...] uma visão de conhecimento behaviorista que sugere que o aluno não aprende porque não faz as tarefas previstas, não presta atenção às explicações de professor [...]” (HOFFMANN, 2009, p. 46). Entretanto, não é possível dizer que estes fatores não estejam envolvidos no fracasso escolar dos alunos, afinal o fator “desinteresse” pode aparecer em qualquer área. Contudo, o que desejo salientar é que essa explicação é recorrente em conselhos de classe e a considero insuficiente.
O eu no ambiente da sala de aula (a ansiedade do voo solo)
Mesmo em poucos meses após ter iniciado a docência, pude verificar in loco muitos dos temas que estudei tanto em disciplinas da área da educação, quanto dentro do próprio grupo PET. Desde questões de aprendizado até outras como estratégias que os alunos constroem dentro da sala de aula, pouco a pouco tenho vivenciado diversas situações que dantes eram conhecidas por mim apenas através das páginas de livros ou dissertações. Entretanto, o momento é de me ater à forma como me senti ao entrar em sala de aula.
Um conceito interessante que li em um dos muitos textos na faculdade é o que discorre a respeito da necessidade do professor combinar os conhecimentos disciplinares ao conhecimento do “modo de ensinar” (VASCONCELLOS e GUIMARÃES, 2015). Esse “modo de ensinar”, ao meu ver é construído a partir da reflexão sobre a prática educativa do docente (e de outros professores) de forma que ele crie uma base sobre a qual iniciará suas experiências de ensino. Nesse aspecto posso afirmar que sou um privilegiado, isso por conta de todas as experiências que acumulei na elaboração e utilização de metodologias diversas, enquanto integrante do grupo PET. Essas experiências me proveram de uma bagagem a partir da qual pude avaliar a forma como os outros professores “conduziam” suas aulas, visando estabelecer uma relação diferenciada com as turmas nas quais leciono.
Ainda assim, ao adentrar na sala de aula pela primeira vez – e sozinho – pude experimentar uma miríade de sentimentos que, se não forem devidamente tratados, podem resultar em “[...] um processo de conflitos, sentimentos de incapacidade, frustração e desejo de abandonar o ofício (VASCONCELLOS, 2009). A ansiedade, o medo de errar, a incerteza de como os alunos estão compreendendo a forma como o conteúdo é ensinado e, principalmente, a forma como eles se relacionam com o professor, foram alguns desses sentimentos que experimentei antes, durante e depois das primeiras aulas que ministrei (e sim, ainda sinto isso. Na verdade, acredito que cada vez que entrar em uma turma diferente, me sentirei da mesma forma). Por exemplo, é muito diferente de se apresentar um seminário em uma disciplina qualquer da faculdade. Lá você está entre seus pares, pessoas que, geralmente, entendem o que você está passando. Fora o fato de que ainda estamos na posição de aluno. Em sala de aula, exercendo o papel de professor, isso muda radicalmente. Os olhos que agora te miram não te compreendem em princípio. E pior, não é possível lê-los, como fazemos com os textos da faculdade. Isso é amedrontador. De fato, eu tive medo. Entretanto, isso não é algo que eu encare sozinho. Afinal “[...] é muito comum que, no começo, todos nós nos sintamos inseguros, com medo” (MARIANO, 2006). A ansiedade que senti – e ainda sinto – ao entrar na sala de aula é algo compartilhado por todo iniciante na carreira.
Bem... É só o começo!
As palavras que escrevi acima são apenas uma pequena parte daquilo que tenho vivenciado nesses meus primeiros momentos de carreira docente. De fato são muitíssimos fatores envolvidos, bem como constante oposição entre as alegrias e as decepções que decorrem da prática educativa, fatores estes que influenciam toda uma carreira (CORSI, 2006). Se me permitem a ousadia, acredito que dentre as diversas profissões, a docência é a quem tem o maior potencial de mexer com as estruturas de um ser humano, visto que o exercício da mesma exige do indivíduo uma constante reflexão e modificação de seus métodos e, principalmente, de sua forma de pensar. É uma via de mão dupla – ou tripla – que exige vigilância no que expomos para os alunos, daquilo que recebemos deles e também daquilo que construímos gradativamente em nossas mentes a partir de toda a vivência da profissão.
Não é fácil a vida de professor. Sei disso pelas minhas leituras e agora pela experimentação. Mas isso é apenas o começo.
Por Gabriel Vianna Morais dos Santos
Licenciando em História-UFF e integrante do grupo PET/Conexões de Saberes UFF
Referências
VASCONCELLOS, Mônica; GUIMARÃES, Sheila Denize. Pesquisa Colaborativa e Formação de Professores: uma análise dos procedimentos metodológicos empregados no decorrer de uma parceria entre universidade e escola. Educar em Revista (Impresso), v. 1, p. 245-270, 2011.
LIMA, Emília Freitas de (Org.); CORSI, Adriana Maria [et al.]. Sobrevivências no Início da Docência. Brasília: Líber Libro Editora, 2006.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto alegre: Mediadora, 2009. 34ª Ed.