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A educação brasileira como mercadoria


O crescimento do setor educacional brasileiro vem sendo marcado por significativas transferências de recursos públicos para a iniciativa privada, de forma sistemática, intencional e isto não é recente. É perceptível quando verificamos que dentre as 8.027.297 matrículas feitas no ano de 2015 para a Educação Superior, 6.075.152 foram realizadas em estabelecimentos privados, enquanto apenas 1.952.145 foram feitas nas instituições públicas (Federal, Estadual, Municipal). Grupos privados amplos vêm controlando grande parte do ensino básico e superior e, nesse cenário, ganham destaque os grandes grupos empresarias com capital aberto comandando com muita força a educação nacional. Podemos destacar a Kroton (que se fundiu com a rede Anhanguera educacional em 2014), a Estácio Participações S.A, Anima Educação, Ser Educacional e SOMOS EDUCAÇÃO (antiga Abril Educação), como algumas das maiores organizações educacionais privadas de ensino do País, tendo grande participação na fabricação de materiais didáticos para a educação básica, o ensino superior, a pós-graduação e o ensino a distância.


Defendendo a ideia de que educação não é mercadoria e não é um negócio, se faz necessário analisar a realidade do ensino brasileiro para compreender este processo de mercantilização.


Em um primeiro momento é possível perceber que as grandes redes de ensino comandam os cursos pré-vestibulares e os cursos de ensino superior; são redes extremamente difundidas em âmbito regional e nacional. Essas empresas possuem uma lógica comercial que transforma a educação em uma mercadoria extremamente lucrativa. Seu valor de uso é requisitado por consumidores que, diante da insuficiência de vagas nas instituições públicas, buscam sua ascensão ou manutenção da atividade profissional, em estabelecimentos dessa natureza.


Percebendo que o acesso à instituição escolar ainda não é “[...] suficiente para tirar das sombras do esquecimento social, milhões de pessoas que somente são reconhecidas pela estatística” (JINKINGS, 2005 apud MÉSZÁROS, 2005, p. 11) e que a educação sozinha não muda o mundo, acreditamos na necessidade de pensar a educação escolar, entendendo-a como “[...] práxis educativa emancipadora” (FRIGOTTO, 2005 apud MÉSZAROS, 2005) que luta para transformar o ser humano em agente transformador do seu meio, preparando-o para a vida e não para a lógica do mercado capitalista.


A mercantilização da educação está diretamente ligada à ideologia neoliberal, que considera necessária a privatização da educação, não sendo um direito (gratuito e democrático) de todos, sendo transformada em um bem de consumo que deve seguir a lógica da procura e da oferta. Essa lógica intensifica as desigualdades sociais, uma vez que grande parte da população não detém riquezas suficientes para a compra desse produto. Para ser uma mercadoria altamente rentável, são produzidas ofertas variadas de preços, atendendo às necessidades das diferentes camadas sociais. Assim, as instituições escolares que promovem a “chamada ‘alta cultura’, em todos os campos da ciência e da técnica” (GRAMSCI, 2001, p. 19) são extremamente valorizadas e, decorrente disso cobram preços mais elevados, enquanto as instituições de menor prestígio oferecem outras faixas menores de preço. Percebe-se então, parte da relação entre a educação e a intensificação das desigualdades, em que o acesso a uma instituição de “melhor qualidade” fica exclusivamente para uma elite histórica que mantém seus privilégios.


A educação, principalmente a escolar, é uma das formas de modificar a lógica desigual, entretanto não é o mecanismo maior para romper com o modo de produção capitalista, uma vez que para isso é necessária a “[...] transformação por completo do quadro social” como um todo. Tendo em vista que a escola (pública e privada) é um “aparelho ideológico de Estado”(ALTHUSSER, 1985, p. 68) e que é essencial para a construção e a produção de conhecimento, devemos considerar que esta instituição é extremamente necessária para a dominação e a manutenção do poder, portanto, aquele que a detém tem a possibilidade de difundir um projeto político. E nesse caso o sistema educacional está “hegemonizado pelo projeto neoliberal conservador” (GARCIA, 2005 apud APPLE, 2005, p. 8), servindo de ferramenta que fornece conhecimentos que transmitem e geram “um quadro de valores que legitima os interesses dominantes” (SADER, 2008 apud MÉSZÁROS, 2005, p. 15).


Pensando nisso, uma vez que se faz a privatização da educação, transformando-a em mercadoria, seu acesso não é difundido de forma igualitária, entretanto, antes da onda neoliberal de privatizações, a educação escolar era pouco difundida e muito desigual. Basta lembrar da prova de passagem do ginasial para o colegial, parecido com o atual vestibular. Pautado pela Lei Orgânica do Ensino Secundário de 9 de abril de 1942, também conhecida como Reforma Capanema, este modelo agravava o distanciamento entre os estudantes, considerando que os mais abastados seguiam até o fim do 2° grau e depois para a faculdade, enquanto os demais faziam um curso técnico, após o término do ginasial e, assim, era preparada a mão de obra técnica e barata, voltada para a expansão do capital.


Defendendo a ideia de que, numa concepção do materialismo histórico dialético, o “próprio educador tem de ser educado” (ENGELS; MARX, 2009, p. 124), vale pensar que o atual papel do professor se desenvolve como agente formador de uma mão de obra ligada aos interesses do capital, sendo ele mesmo uma força de trabalho mercantilizada que segue metas estabelecidas para ampliar sua margem de lucro. Para que esse lucro seja maximizado, além da mais-valia relativa, é necessário ampliar o consumo, então projetos de propagandas e marketing são extremamente estratégicos para a difusão do valor de uso desse produto mercadológico, juntamente com a difusão do valor de troca, uma vez que esses mecanismos anunciam ao público que o item em questão pode ser comprado, e que possui variados preços, atingindo todos aqueles que desejam comprar. Se vende a educação para todos, mas uma educação totalmente diferente, no qual aquele que possui mais recursos adquirirá uma educação mais qualificada e aquele que possui menos recursos irá adquirir uma educação menos “qualificada”. Essa camada que irá adquirir uma educação superficial e de instrumentalização simplificada é principalmente o proletário que vende sua força de trabalho, assim esse sempre será explorado dentro da lógica capitalista.


Para complementar essa linha de raciocínio podemos citar a Lei Nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, mais conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que abre bases legais para a destinação de verba pública para entidades privadas de ensino.


A recente PEC 241/2016 que “altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal”, contribui para o congelamento dos investimentos na educação pública e abre precedentes para maior estruturação da iniciativa privada. Acrescenta-se a isso programas como o ProUni que concede “bolsas de estudo integrais e parciais de 50% em instituições privadas de educação superior” e o FIES, destinado a financiar a graduação na “[...] educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitas na forma da Lei 10.260/2001”. Esses programas e leis são movimentos conscientes que contribuem para a transferência de recursos públicos para instituições privadas e ampliam as precárias terceirizações, além de tirar a responsabilidade do Estado de manter uma educação de qualidade e 100% gratuita.


Faz-se necessário também pensar que alguns desses proletariados vão ascender na vida, mas isso é uma exceção, normalmente utilizada para confirmar a regra. Para romper com essa lógica é importante lutar pela educação popular, gratuita e de qualidade, a partir de construções populares, em que toda a comunidade social participe do processo de desenvolvimento educacional. Assim, para reformular a educação é mais do que necessária a “[...] transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança” (MÉSZÁROS, 2005, p. 25).

Por Davi Ferreira Nogueira licenciando em História - UFF e integrante do Grupo PET/Conexões de Saberes - UFF.


Foto 1: Música Another Brick in the Wall de Pink Floyd 1979 e Propaganda da Prefeitura do Rio de Janeiro publicada no dia 7 de dezembro de 2014 no jornal "O Globo".

Referências:

- ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado (AIE/ Louis Althusser; tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque). – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

- APPLE, Michael W. Para além da lógica do mercado: Compreendendo e opondo-se ao neoliberalismo / Michael W. Apple; tradução de Gilka Leite Garcia, Luciana Ache. – Rio de Janeiro: 2005.

- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 2/Antonio Gramsci; edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. – 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

- MARX, Karl. A ideologia alemã/Karl Marx, Friedrich Engels; tradução de Álvaro Pina. – 1.ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2009.

- MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital/István Mészáros; [tradução Isa Tavares]. – 2.ed. – São Paulo: Boitempo, 2008. (mundo do trabalho).

Notas:


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2015. Brasília: Inep, 2016.Disponível em: HTTP://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-sinopse-sinopse. Acesso em 10 de outubro de 2016.

Ver: http://www.kroton.com.br/. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver:http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30092. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver:http://ri.animaeducacao.com.br/anim/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=49054. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver: http://www.sereducacional.com/sobre-o-grupo. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver:http://www.somoseducacao.com.br/pt/somos-educacao/quem-somos/. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Aparelhos ideológicos de Estado sendo um “certo número de realidades que apresentam-se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas” tendo o seu funcionamento “através da ideologia” (ALTHUSSER, 1985, p. 69).

Ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1468431&filename=PEC+241/2016. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver: http://siteprouni.mec.gov.br/. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Ver: http://sisfiesportal.mec.gov.br/?pagina=fies. Acesso em: outubro de 2016.

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